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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Sou o teu encalço


Sou a fotografia preta e branca na parede da casa, sou a poesia estonteante que mora em minha alma, sou o pássaro renascido que abre voo, sou a plebe indignada com a sua condição, sou o fogo que queima, que arde e incendeia. Sou de tudo um pouco, sou do nada um terço, sou a criança ou o berço, sou o recomeço. Sou o segundo, o instante, a calmaria – sem nada mais a manifestar –, sou o que calo diante dos tons graves e me contorço com os timbres agudos, sou o vilarejo abandonado de onde se vê o por do sol e um casal de velhinhos. Sou a palavra que te atinge, sou o delírio que te comprime, sou o vendaval que passa e bagunça, e arrasa, e arrasta tudo que um dia foi seu. Sou a noite fria, sou tua moradia, e sem perceber fomos ficando iguais, duas luzes distantes demais.

Naianara Barbosa Melo 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Negritude à flor da pele


Sim, SOU NEGRO, não desacredite no que digo, feche os olhos e verá. Tu és também! N-E-G-R-O, sabe o que é? É ser duro, é ter raça, é ter vontade e sangue quente na veia. – Ele gritava desenfreadamente pela rua, com uma placa na mão e com tinta preta escorrendo pela pele – negro, filho do homem, negro. Olhe pra mim, olhe pra você. NEGROS! Iguais. – Saía mostrando à todos que era negro, apesar de ser um branco de olhos claros e cabelos lisos, ele acreditava no que dizia – HAHAHAHA, deves me achar louco, piradinho, não é? Só porque tenho essa cor, não quer dizer que sou branco. Quem são os brancos? Nada contra eles, mas olhe onde nascemos, isso é o Brasil, isso é um funil, nada disso cabe no que o mundo lá fora espera, ninguém aqui é branco, brancos são os de fora, os que vêm aqui conhecer nossas praias. Nós? Nós somos negros, pretos, audaciosos e vertiginosos, nós que temos no sangue o que vem sido passado à décadas, nós que cultivamos o que aprendemos das outras gerações, e nós mesmos que jogamos isso fora. Nós que revolucionamos o mundo! Nós que fizemos parte dele de qualquer forma possível e impossível! Nós, apenas nós! – E corria pelas ruas, desenfreado e com o suor pingando, seu sangue latejando e sua garganta quase explodindo de tensão – Sou negro e grito diante de todos, sou negro e não nego, sou negro e tenho orgulho, porque não basta ter a cor para ser negro, tem que ser o centro, tem que dar 100% do que se faz. Porque é sendo negro que se é humano! – E abriu os olhos e se viu no seu quarto, desesperado, era ele branco, negro, índio, mistura de todas as raças, era ele a cara do Brasil, o tal menino do Rio que cresceu querendo falar o que sentia. 

Naianara Barbosa Melo

Samba, Lelê, não importa se estás doente


A lua me chama, a rua me chama, aquarela me canta, a vida me encanta, tudo me traz o samba. “Samba lelê, tá doente”, coitada dela – gritou o dono da padaria – quem mais vai sambar nessa tal roda imaginária, quem mais trará a rosa cálida? Samba, Maria, samba. Samba que o teu samba desperta o arranjo musical do povo, samba que o teu samba reanima as mães cansadas de casa e alegra os maridos exaustos. – que tem a Lelê? Porque teu samba não é visto mais? – perguntou-me então a pequena menina. Todos sentem sua falta, Maria do samba, todos querem o teu rebolado presente no cotidiano. Então Samba lelê, não importa se estás doente. Porque tua doença afeta todo um organismo externo chamado “comunidade” e a falta do teu samba traz no peito a lembrança dos risos da noite e do brilho das estrelas que seguem apagadas à tua espera.

Naianara Barbosa Melo

A-ponte


Vê-se ao longe o horizonte e todos se perguntam como se faz para tocar nele, eu apenas digo “Use a ponte”, mas ninguém compreende. Todos olham ao redor e ninguém vê o que eu digo, é tão fácil, USE A PONTE, que ponte, meu Deus, que ponte? A tua ponte. Não é de cimento, nem é de concreto, é a ponte do pensamento, da razão e da indagação. Até onde você construiu a tua ponte? Até onde ela teve asas e ate onde ela estava presa ao chão? Que caos, que cais, chorais por não ter dado a tua ponte a carga necessária. A ponte não é pra ir e nem pra voltar, é só atravessar. E como sair dessa ilha, dessa vida? Use a ponte. A ponte não precisa sair do lugar, aponte pra onde quiser e vá.

Naianara Barbosa Melo 

domingo, 21 de outubro de 2012

Ele se desencontrou dentro de si


Estilhaçou-me então como caco de vidro envergado no chão e me pus a cantar para que a dor fosse amenizada, nada adiantou. Sentia a contração dentro d’alma que floresceu quando meus olhos, inseguros, encontraram os teus. E num segundo depois te vi partir, me vi sentir que não estaria mais ali. Fora sequestrada de mim sem perceber, e ao percorrer os olhos pelo saguão vazio, cada passo trazia o eco da agonia de estar ali desacompanhado, e antiquado como sou, não resisti e dancei a mais bela melodia que saia do timbre da sua voz. Invadia-me então de forma surpreendente cada palavra que saia por tua boca e que quebrava a barreira do silêncio, e dancei, e dancei, e dancei... Até cansar e cair, e morrer, e continuar vivendo.

Naianara Barbosa Melo

sábado, 20 de outubro de 2012

Ao menino que brincava com as palavras

Sorria mais, só ria mais, sorria... mas, por que sorrir? Só rir, só ir. Chegou a hora de parar, de ficar, stop. Ex-top de balada, hoje quem é você? Fica agora nesse quarto vazio, quadrado e quebrado, pela quarta vez no dia. Se tornou pescador das próprias mágoas. Pescador, pesca a dor, pecador, acabou se tornando isca. Deixou de sonhar, de buscar, de amar. Ah, mar, esplendido como sempre, infinito aos olhos de quem o vê. Como pode um só lugar ter tanto a esconder? O anzol que ontem prendia todas as ilusões, hoje vive em busca de sorrisos. Só risos, sem mais. Sem caos, sem cais, sem ais, não mais. ME DEIXA, gritava desesperado. Me queixa, me mexa, me de ameixa, Raul Seixas, cadê você? Parecia uma doença, estava atrás de qualquer presença que o fizesse se sentir melhor. Era quase um desafio. Desata o fio, dez a fio, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, BUM! Sumiu. Seu tempo esgotou, sua chance desperdiçou, ele desistiu.

Naianara Barbosa Melo

sábado, 6 de outubro de 2012

(Re)Sossego


Sorri, pequena princesa
Sorri para afastar o que te assusta
Para empurrar o que te surra
Pra acabar com o que te dói

Sorri
Porque desde o dia em que sorriu pra mim
O mundo se tornou feliz.


Naianara Melo
Crédito: Isabela Fontes

Minha

Não temo, és minha e a morte não leva
Não peço, te tomo e te trago comigo
Assim feito um verso sentido
Porque és sonho, és mar e treva.

Naianara Melo feat. Vânia Melo