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terça-feira, 14 de agosto de 2012

O tal do atraso



E virando-se para o primeiro ônibus que passou, suas últimas palavras foram “eu estou atrasada”. Entrou no ônibus e nem sequer olhou para trás para olhar para ele. Aquele último olhar, sabe? De despedidas de filmes. E ele ficou lá parado por uns longos 20 minutos, revivendo aquela cena. Aquilo tinha doído. Ela estava atrasada pra que? Para sair da vida dele, ou para tirá-lo da vida dela? Ele não sabia. Ele era o tipo de garoto que ninguém dava nada. Moreno, cabelo preto, olhos verdes, alto, musculoso, com abdômen dividido. Um cara desses, pelo perfil da sociedade, pega todas e depois deixa para trás. Mas ele era diferente, ele a amava. E ele foi deixado. Três palavras e 30 km/h o distanciava dela, e essa distancia ia aumentando a cada segundo que ele olhava o ônibus partindo, enquanto ele estava ali, parado, sentindo-se completamente... vazio.
- Seu idiota, imbecil, otário. Se apaixonou e olha no que deu, foi largado. Ah, ela nem era tão bonita assim. Ela só era morena, dos cabelos grandes cacheados, os olhos castanhos, os lábios perfeitos, o olhar encantador, as mãos que encaixavam das minhas, o abraço que me tirava todo o medo, o sorriso que me apaixonava. Para! Para de falar assim dela, idiota. – Ele repetia para si mesmo, tentando diminuir o que sentia.
O outro dia foi totalmente sem noção, ele não se concentrava em nada. Seu pensamento estava nela, sua vida pertencia a ela. E ela tinha ido embora sem nem sequer saber disso. Passado dois dias, ele foi para o ponto de ônibus que ela sempre ia, todos os dias, o mesmo horário. Ele esperou 20 minutos até vê-la caminhando com sua blusa preta e branca listrada, calça jeans, sapatilha e o cabelo de lado.
- Como ela está linda. – ele disse para si mesmo.
Ela foi se aproximando, estava no telefone e não o viu. Quando chegou no ponto, viu um garoto com o boné para trás, segurando uma rosa na mão. Ela olhou direito e percebeu que era ele, então balançou a cabeça negativamente e lentamente. Ele olhou desconcertado, chegou perto e entregou-lhe a rosa,  eles trocaram olhares por um tempo até que ela pegou a rosa da mão dele e deu-lhe um beijo.
Ele a segurou e disse, em meio ao beijo: “nunca se está atrasada para o amor”. Ela riu. Ficaram abraçados, até que aquele ônibus, o de quatro dias atrás, reapareceu.  Ela deixou o ônibus ir, e ficou ali. Ele não entendeu. 11:58, ela tinha que ter ido. Até que ele ouviu:
- Qualquer atraso é bem visto, quando se trata de nós dois.
Veio outro ônibus, ela o soltou rindo, e falou:
- Eu te amo, mesmo estando atrasada. E subiu, e o olhou de lá de dentro. Ele sorriu. Porque apesar de todo atraso na vida dos dois, ele sabia que esse amor valia a pena.

Naianara Barbosa Melo

sábado, 11 de agosto de 2012

Raiou um novo olhar


Nasceu uma flor no meio do asfalto
Nasceu uma cor no meio da cidade
Preta e branca
Trouxe esperança naquele lugar
Raiou no céu um novo olhar
De quem espera algo do futuro
Algo bom
Quem sabe
Um dia.


Naianara Barbosa Melo

domingo, 5 de agosto de 2012

A casinha


Minha infância teve lá suas muitas aventuras. No lugar que eu morava tinha umas casas que estavam abandonadas e como toda criança, existia a curiosidade de ir lá. Passei então a frequentar aqueles lugares com uma amiguinha sempre que saíamos para brincar, e assim apareciam diversas conversas e desejos como “ah, a amarela é minha” “não, eu disse que a amarela era minha primeiro” “então tá, a minha é a azul com um jardim na frente”, e assim ia seguindo os dias, e a cada dia a vontade de ter uma daquelas casas aumentava, era quase um sonho de uma garota inocente. Nunca tínhamos ido até o fim da rua e um certo dia resolvemos ir até lá. Atrás de algumas casas, bem lá no fundo, existia uma casinha que chamou minha atenção. Minha amiguinha olhava para os enormes casarões e dizia que moraríamos juntas, mas eu prestava atenção naquela casinha lá, eu queria morar nela e ter ela só pra mim, pra poder ter minha família e minha vida ali. Pedi então a minha amiguinha para vigiar a rua, que era deserta, mas que de vez em quando passava alguém correndo, ou alguns carros, para que ninguém reclamasse por eu estar de certa forma “invadindo” aquela casinha. Passei pelo portão de madeira sem nem encostar nele para não fazer ruído, me espremendo contra mim mesma para que nem a casinha e nem o que a cercava me percebesse ali. Quando consegui entrar, meus olhos brilharam. Eu estava em silêncio, meu corpo suava. Era eu e a casinha, só. Eu fechei os olhos e imaginei minha vida com ela, seria perfeita. Mas como eu teria aquela casinha pra mim? Eu era apenas uma criança. Quando abri os olhos vi uma flor na frente da casinha, aquela flor cresceu mesmo com todo sacrifício. Fui embora. Passei a voltar todos os dias naquela casinha, sozinha ou acompanhada da minha amiguinha, parecia que ela sentia ciúme da casinha, que bobeira. Eu cuidei daquela flor, era como o mais lindo sorriso que eu poderia ter visto em algum lugar. Eu reguei aquela flor para que ela crescesse como quisesse, e ela foi crescendo. Eu cuidava daquela flor como se fosse minha, mas a cada dia eu tinha que tomar mais cuidado, alguma pessoas já tinham percebido minha presença diária na casinha. Algumas não falavam nada e diziam que era linda a minha preocupação com a casinha e a flor, já outras diziam que isso tava errado. Eu não ligava, eu só queria o bem da minha flor, eu só queria viver na casinha. A cada dia que eu chegava lá, meu coração disparava, minhas pernas bambeavam, eu chegava com tanta vontade de ver a minha flor que o portão já não me importava mais, eu só queria estar ali. Minhas mãos tremiam quando eu ia regar a minha flor, ela era tão frágil, mas tão forte ao mesmo tempo, eu a admirava, eu a amava com tudo de mais puro que eu tinha. Eu tive que me afastar da minha flor, e eu sentia saudade dela todos os dias, todas as horas. Que criança sentiria algo assim por uma flor? Uma flor comum? Mas aquela não era uma flor comum, era minha flor. E eu cuidava dela como se fosse parte de mim. Eu passava horas deitada ao lado dela calada, apenas olhando para ela, eu fechava os olhos ali deitada e sonhava. Ao acordar corria pra casa, mas minha flor ainda estava no meu pensamento, ela nunca saiu de lá desde o primeiro momento. Eu era a criança que estava disposta a ter aquela flor e aquela casinha pra mim, eu faria de tudo para tê-las. Até onde eu iria por essa casinha? Ao infinito... e além!


Naianara Melo