Domingo, 3 de dezembro.
O que é isso que está acontecendo
comigo, diário? Eu não sei. Eu tento explicar, eu tento entender, mas não é
possível. É algo que ta me corroendo, me doendo, me faz chorar e eu nem sei o
motivo. O que será isso? Isso dá medo. Eu estou com medo de algo que está
acontecendo dentro de mim e que eu não tenho nem idéia do que seja. É como se
eu estivesse passando por uma mudança, sabe? E eu não sei no que ela pode
terminar. Me sinto como uma borboleta. Presa num casulo, esperando a minha hora
de sair. Mas eu não sei o que vai ser depois que eu sair. Eu só planejei até
aí: sair. E depois? E quando eu sair, o que vai ser de mim? O que vou fazer?
Quem vou ser? São perguntas tolas que me tomam a mente a cada minuto. Sabe diário,
eu admiro algumas pessoas, algumas pessoas que dão valor as coisas simples da
vida. Porque, cá estou eu. Sentida, quieta, calada, escondida, esquecida. E que
amigos eu tenho? Eu não tenho amigos, diário.
As pessoas me procuram porque eu
posso ajudá-las em qualquer coisa. Eu tenho tudo que elas desejaram um dia
sabe, diário. Mas eu não tenho uma coisa que com certeza elas tem. Elas tem
amigos. E eu? Eu não. Eu vivo aqui, fingindo ser feliz, fingindo amar a minha
realidade, mas não é isso que acontece. Eu estou presa, e não tem saída, a não
ser a porta do casulo, este que passarei logo. Sinto que minha mudança está
quase completa. Mas como vou saber quem vou ser? Eu vou voltar a ter algo que
nunca tive, diário. Duas pernas. Eu sempre me senti como se tivesse três. Como
se essa terceira perna não me deixasse cair. Como aqueles tripés que seguram a
câmera fotográfica. Então, era como eu me via. E com ele eu não caia, então eu
podia fazer qualquer coisa porque eu sabia que não ia cair. E agora, diário, eu
acho que a vida vai tirar essa terceira perna – que sempre esteve comigo – de
mim. Agora, eu vou ter que ficar com duas. Agora eu posso cair, e se eu cair,
eu terei que me virar pra levantar, diário. Pois estarei sozinha. Quando acabar
essa mudança, será que as pessoas continuarão me procurando?
Aqui estou eu, nesse quarto
sozinha, e vendo que cada palavra não significasse nem metade do que está
acontecendo realmente. É como se algo estivesse comendo o que eu era aos
poucos, e me tornando algo novo. Deus, tenha dó dessa alma que nem sabe pra
onde vai. Peço-lhe que
me dê a mão, você que está lendo. Só até eu me sentir segura.
Por favor. Só me dê a mão, e caminha comigo nessa estrada de barro que eu nem
sei onde vai parar.
Me dá a tua mão somente. E eu imaginarei
ela comigo. Mas promete não soltar até que eu saiba andar com as minhas duas
pernas sem precisar mais da tua ajuda. Imaginarei tua mão comigo, mas só
consigo imaginar a tua mão, e se consigo, é porque eu amo o suficiente pra
isso. E se não consigo imaginar o resto do teu corpo – olhos, boca, cabelos – é
por incapacidade de amar mais. Mas só a tua mão me basta. Eu sigo nesse caminho
tortuoso que mela meus pés de barro molhado. Mas não sei pra onde vou. Vou
apenas indo, indo, até parar. E quando parar, sabe-se lá o que farei. É como se
toda muralha que eu estivesse construído contra o mundo estivesse caído.
Como se eu estivesse feito aquela
terceira perna, e ela estivesse em ruínas junto com a minha muralha, que levou
décadas para conseguir me proteger totalmente, e ainda assim eu era atingida
por palavras que me corroíam e me faziam pensar “quem eu estou me tornando”.
Mas eu só estava me tornando mais uma pessoa que vive longe desse mundo,
diário.
Eu quero um mundo só meu. E fiz
ele. E agora me tiraram dele e me colocaram em outro em que sou apenas “mais
uma” que não faz a diferença. No meu mundo não era assim. Eu era tudo. E aqui
eu sou tão pequena quanto um grão. Assim como todas as outras pessoas que foram
tiradas do seu mundo e trazidas para cá.
Me diz, diário. Porque a vida
prega peças tão sacanas com a gente? Cada um podia viver no seu mundo. Cada um
podia ser feliz da sua forma. Somos diferentes. Como viver num mundo onde somos
todos iguais? Ou pelo menos querem que sejamos todos iguais. Não suporto isso,
diário. Acho que é essa a mudança que está ocorrendo. Eu estou trocando de
mundo. E talvez, quando o sol se por, eu veja com mais clareza que tudo isso
não passa de mais um sonho. Quem sabe, diário. Eu dei o primeiro passo, diário
– estou feliz! – consegui dar o primeiro passo dessa
minha nova caminhada. E agora, tenho que dar os outros. Nesse mundo novo,
totalmente diferente do meu.
Onde aprenderei a sorrir, a rir, a
amar, respeitar, compartilhar – nossa, é muita coisa para se aprender – e ainda
assim sentirei falta do meu mundo, diário. Porque foi nele que criei os meus
conceitos, e minhas regras, e agora elas não valem de nada. Mas que seja assim. Porque mudanças são necessárias, mesmo que não sejam bem vindas.
Estou indo, diário. Preciso aprender a lidar com essa nova gente, que mais
parecem bichos. Quem sabe eu consiga domá-las e trazê-las para um mundo onde
todos se entendam sem desrespeito, vingança ou algo assim.
p.s:
E a você, que esteve de mãos dadas comigo nessa caminhada, muito obrigada. Mas
toma sua mão de volta, aprendi. Desculpa se te amei pouco a ponto de só
conseguir imaginar a tua mão, mas aprenderei a te ver mesmo longe, e aí,
retribuirei esse favor que fez a mim.
Naianara Barbosa
Qual é o símbolo visual de mão estendida em sua direção? Imagine-o, ele existe. No mais, há séculos que os ventos conversam com as asas das borboletas. Então, não tenha medo, na saída ouça o vento.
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